28.Apague a Vela
O discípulo estava estudando Zen sob a orientação de seu mestre. Numa certa noite ele foi até seu mestre e fez muitas perguntas. O instrutor disse: “Está ficando tarde. Por que você não se recolhe?”
E assim o discípulo curvou-se respeitosamente e abriu a tela para sair, comentando: “Está muito escuro lá fora.”
O mestre ofereceu uma vela acesa ao discípulo para iluminar seu caminho. No exato momento em que ele a recebeu, o mestre a apagou. Naquele momento, a mente do discípulo se abriu.
“O que você alcançou?”, perguntou o mestre.
“De agora em diante”, disse o discípulo, “não duvidarei das palavras do instrutor.”
No dia seguinte, o mestre disse aos monges em sua palestra: “Vejo um monge entre vocês. Os seus dentes são como a árvore espada, sua boca é como a tigela de sangue. Se vocês baterem nele com força, com uma vara grande, ele nem mesmo olhará para vocês. Algum dia ele subirá ao pico mais alto e levará o meu ensinamento para lá.”
Naquele dia, no salão de palestras, o discípulo reduziu a cinzas os seus comentários sobre os sutras. Ele disse: “Por mais abstrusos que os ensinamentos sejam, comparados a esta iluminação eles são como um simples fio de cabelo diante do vasto céu. Por mais profundo que seja o complicado conhecimento do mundo, comparado a esta iluminação ele é como a gota de água diante do oceano.” Ele então deixou o mosteiro.
Cem audições não podem ultrapassar uma visão,
Mas depois que você vê o instrutor, esse único vislumbre
Não pode ultrapassar cem audições.
Seu nariz era muito alto
Mas, de qualquer maneira, ele era cego.
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Um comentário:
Um determinado monge discordava das práticas adotadas em um templo, pois acreditava que os sutras eram a fonte de todo o aprendizado para o zen, ao contrário do mestre deste templo, que apenas utilizava o sutra como um instrumento para o aprendizado.
Estando pela noite com o mestre, ao dele se despedir, teve por ele sua vela apagada, instante em que se iluminou. Neste momento, esse discípulo contestador percebeu que o caminho para o zen era um encontro consigo mesmo. Eis o sentido da escuridão, pois cada um tem que percorrer um caminho próprio de auto-conhecimento. A vela ou qualquer outro artifício, como um sutra, não são o principal. Nesse momento de iluminação disse ao mestre que não contestaria mais seus ensinamentos.
Mais tarde, diante de todos, o mestre disse que havia um monge na sala com dentes como a árvore espada e boca como a tigela de sangue e que ainda que nele batessem não revidaria. Se referia a este discípulo que havia se iluminado, e que segundo ele passaria os ensinamentos do mestre do alto de um monte. A comparação dos dentes com a “árvore de espada” e a boca com a “tigela de sangue” simbolizam um espírito questionador, de vitalidade. Discutiu-se nesta reunião que o questionamento decorre de um profundo interesse no tema objeto de discordância e que ele poderia ser utilizado como uma força impulsora do crescimento. O discípulo não mais revidaria a provocações, pois naquele momento já não mais questionava os ensinamentos do mestre.
Queimou então os apontamentos sobre os sutras, por não mais ver neles o caminho, e afirmou que a abundância de conhecimento era muito pequena se comparada a essa descoberta que havia feito.
O poema afirma que cem audições não são nada sem uma visão. Ou seja, era necessário vivenciar (eis o sentido de visão) para poder compreender o que se ouvia. E após o vivenciar necessário se faz estar aberto a escutar.
O nariz muito alto a que se refere o poema diz respeito à prepotência e arrogância do discípulo, que acreditava estar correto, quando na realidade estava cego.
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